Crônica



Caretauma revista semanal sobre os acontecimentos da cidade, tinha uma seção que se chamava "Cartas de um matuto", em que era apresentada em versos notícias em forma de uma cartas entre um matuto chamado Tiburcio D'Annunciação e sua comadre Thereza. Em algumas semanas eles se alternavam na autoria das cartas. Feitas com muito bom humor, essas crônicas se tornam interessantes para se estudar os eventos do início do século XX. Na edição 131 da revista, de 3 de dezembro de 1910, o matuto Tiburcio escreve sobre a Revolta da Chibata:

Minha comadre Thereza
Depois de um susto danado,
Felizmente veio a paz:
Hoje tá tudo acabado.
Mas a coisa teve feia,
O caldo andou entornado,
E por um triz, siá Thereza,
Nós tava bombardeado.

Foi treis dia de martírio,
De terrô para as famía,
Enquanto os canhão roncava,
E o governo arresolvia.
Os navio revoltoso,
Pra lá, pra cá, na baía
Só quetaro as ameaça
Depois que veio a anistia.

Atiraro pra cidade
Somente para assustá,
Mas andou morrendo gente
Aqui, ali, acolá,
Quem ficou sem sua vida
Fôro os pobre oficiá:
Perdoaro os revoltoso,
Estes... mandaro enterrá.

Comade, home decidido
É o almirante João Cando:
Se ocê visse os drednóte
Como tavam navegando!
Saíram pra barra afora,
Com nada, tavam emirando,
Testo, que inté parecia
Navio ingrêz manobrando.

O povo aqui estranharo
A maruja revoltá,
Pontá canhão pra cidade
Falá grosso e ameaçá;
Eu cá não estranhei nada.
Achei muito naturá
Que o inzemplo de Manaus
Dêsse azo pra se imitá.

Lá, depusero o governo
Prendero o governadô,
Tocaro bala nas rua,
Tiro, que foi um horrô.
Morrero muitas pessoa,
Muitas casa desabou,
E a coisa ficou só nisso:
Quem não gostou, não gostou.

Agora diga comade,
Diga lá sem prevenção:
Qual é a mais desculpame
Das duas revolução?
Os pobre dos marinheiro,
Humildes, sem proteção,
Fizero mal, mas omenos
Pouparo um pouco os canhão.

Se ocê tivesse presente
Haverá de vê, comade,
Como passemo os treis dia
De agonia da cidade.
Corria a todo momento
Boatos e novidade.
Que o povo todo da côrte
Perdeu a tranquilidade.

Entonce quando constou
Que iam bombardeá,
E os boletinho avisando
Começou a circulá,
Foi povo por todo lado
A fugi pra se escapá,
Todos queria sumi,
Ninguém queria ficá.

Eu tava bem quéto em casa
Quando chega o Tacalão:
"- Meu sogro, prepara as perna
Que vai roncá o canhão!"
Biella teve um famico,
Desacorda, cai no chão,
Bibi grita pr'outra banda,
Ficou tudo em confusão.

Entonce meu genro disse:
"-Gente, acaba de gritá,
Perpara as roupa na mala,
E toca, toca a embarcá!
Pra Inhaúma, Cascadura,
Ou outro quarqué lugá;
E com pressa, sem demora,
Que a coisa vai começá!"

Aí ele me explicou
Que um drednóte atirando,
A bala evinha rompendo,
Estruindo, derrubando,
As rua, de cabo a rabo.
Que se quisesse, o João Cando,
Derrubava a côrte inteira,
E ficava governando,

Biella pede otomóve,
Aó eu digo: "- Muié,
Numa aflição como esta
Não se espera, vai-se a pé."
Arrumemo logo a trouxa,
Uns embruio de papé
E saímo sem tê tempo
De omeno tomá café.

Quando nós tava a caminho
Vimo um ronco desgraçado;
Mias perna tremeu de medo,
Tacalão ficou gelado.
Biella entrou numa venda,
No quartinho reservado,
Que quarqué susto pra ela
É um purgante danado.

As rua junto do mangue
Tava como procissão:
Gente de bonde, de carro
Otomóves, carroção...
Uns com trouxa na cabeça,
Outros co'os fio na mão,
Cada qual mais apressado,
Todos com muita aflição.

Felizmente nós cheguemo
Na estação para embarcá,
Era gente como terra
Afoita pra se escapá.
Os carro tava atulhado
Não havia mais lugá,
E um rôr de gente gritando
Com receio de ficá.

Com medo de não tê tempo,
Nós nem boleto compremo;
Atravessemo o povo,
Empurremo os outro e entremo,
Eu disse com meus botão:
"Se pagá murta é o mêmo!"
O trem começou andá
E nós todos azulemo.

Ao chegá em Cascadura
Quêde adonde recolhê?
Nem um quarto no hoté
Nem nada pra se comê.
Biella com agachadinho
E com medo de morrê,
E nós só andando, andando,
Inté nos aborrecê.

Todos tava muito ansioso
Por notícia da cidade.
Cada qual que evinha vindo
Trazia sua novidade,
Uns dizia que já tinha
Uma grande mortandade,
Que aperto que nós passemo!
Só se ocê visse, comade.

Graças a Deus escapemo
Nenhum dos nosso morreu.
O mais, eu te mando as fôia
Pr'ocê vê o que se deu.
Não sei se foi o governo
Ou os marujo que cedeu;
Sei só que vortou a carma
E o povo se recolheu.

Deus que proteja seus dia,
Nunca te dê aflição
Que passemos cá na côrte
Com esta revolução.
Muitas lembranças do véio
Compade do coração
E amigo certo de sempre 
Tiburcio d'Annuciação.

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