João Cândido saindo escoltado do Hospital Central do Exército |
Os anistiados de novembro de 1910 foram considerados coparticipantes da segunda revolta, mesmo que não tivessem tomado parte na revolta do Batalhão Naval. No dia que estourou a segunda revolta, os oficiais, ao ouvirem os primeiros tiros da Ilha das Cobras, abandonaram seus respectivos postos, arriaram os botes e zarparam para terra. João Cândido estava no Minas Gerais e decidiu assumir o navio, levando-o para longe da linha de tiroteio. Após a rendição ao governo em 26 de novembro, o grupo formado por João Cândido, Francisco Dias Martins, Manoel Gregório, André Avelino e outros parece ter perdido a unidade de liderança frente a todos os marinheiros.
A repressão começou no dia seguinte ao levante no Batalhão Naval. Assim que pôs os pés em terra, João Cândido foi preso sob a acusação de ter movimentado o Minas Gerais. Assim como o líder do Minas Gerais, centenas de outros começavam a ser presos e a lotar a Casa de Detenção, quartéis do Exército e da polícia, assim como o presídio da Ilha das Cobras. Isso tudo já na manhã do dia 11 de dezembro. Antes de se julgar qualquer ex-amotinado, a Marinha já começava a puni-los. Centenas de marinheiros foram deportados para o Pará nos porões do paquete Satélite. A viagem, contudo, terminaria no Acre, onde foram oferecidos para o trabalho nos seringais e na abertura da ferrovia Madeira-Mamoré. a polícia, a Marinha e o Exército aproveitaram a mesma viagem do Satélite para "limpar" a cidade, extirpando todos aqueles que representassem ameaça à ordem e à disciplina: marinheiros, soldados, presos e presas civis. Porém, antes de chegarem ao destino, alguns marinheiros foram fuzilados sob a acusação de estarem tramando uma revolta a bordo do Satélite.
No dia 22 de dezembro, chegavam ao presídio da Ilha das Cobras o marinheiro João Cândido e outros que passariam a noite numa das piores celas daquela instituição. Essa cela era remanescente do período colonial, estava encravada nas pedras da ilha, o que impedia a entrada de luz natural e maior circulação de ar. Uma pequena cela para 18 homens. Todos morreram sufocados por causa da inalação do pó da cal usado para desinfetar o local. Somente João Cândido e o marujo João Avelino Lira sobreviveram. João Cândido relata essa experiência:
"A prisão era pequena e as paredes estavam pichadas. A gente sentia um calor de rachar. O ar, abafado. A impressão era de que estávamos sendo cozinhados dentro de um caldeirão. Alguns, corroídos pela sede, bebiam a própria urina. Fazíamos as nossas necessidades num barril que, de tão cheio de detritos, rolou e inundou um canto da prisão. A pretexto de desinfetar o cubículo, jogaram água com bastante cal.
Havia um declive e o líquido, no fundo da masmorra, se evaporou, ficando a cal. A princípio ficamos quietos para não provocar poeira. Pensamos resistir os seis dias de solitária, com pão e água. Mas o calor, ao cair das dez horas, era sufocante. Gritamos. As nossas súplicas foram abafadas pelo rufar dos tambores. Tentamos arrebentar a grade. O esforço foi gigantesco. Nuvens de cal se desprendiam do chão e invadiam os nossos pulmões, sufocando-nos. A escuridão, tremenda. A única luz era um candeeiro a querosene. Os gemidos foram diminuindo, até que caiu o silêncio dentro daquele inferno, onde o Governo Federal, em quem confiamos cegamente, jogou dezoito brasileiros com seus direitos políticos garantidos pela Constituição e por uma lei votada pelo Congresso Nacional. Quando abriram a porta já tinha gente podre. O médico do Batalhão Naval, um homem muito querido, o Dr. Guilherme Ferreira, negou-se a fornecer os atestados de óbito como morte natural. Retiraram os cadáveres e lavaram a prisão com água limpa, e nós dois, os únicos sobreviventes, fomos metidos, novamente, na desgraçada prisão. Lá fiquei até ser internado como louco no hospício.
Um dia o carcereiro abriu a porta e disse que eu iria sair. Colocaram-me dentro de um carro. Fui acompanhando o trajeto. A princípio passei pela avenida Beira-Mar, veio Botafogo e, na Praia Vermelha, o veículo entrou num velho casarão. Era o Hospital dos Alienados, onde fui jogado como doido varrido. Depois da retirada dos cadáveres, comecei a ouvir gemidos dos meus companheiros mortos, quando não via os infelizes, em agonia, gritando desesperadamente, rolando pelo chão de barro úmido e envoltos em verdadeiras nuvens de cal. A cena dantesca jamais saiu dos meus olhos."
A repressão começou no dia seguinte ao levante no Batalhão Naval. Assim que pôs os pés em terra, João Cândido foi preso sob a acusação de ter movimentado o Minas Gerais. Assim como o líder do Minas Gerais, centenas de outros começavam a ser presos e a lotar a Casa de Detenção, quartéis do Exército e da polícia, assim como o presídio da Ilha das Cobras. Isso tudo já na manhã do dia 11 de dezembro. Antes de se julgar qualquer ex-amotinado, a Marinha já começava a puni-los. Centenas de marinheiros foram deportados para o Pará nos porões do paquete Satélite. A viagem, contudo, terminaria no Acre, onde foram oferecidos para o trabalho nos seringais e na abertura da ferrovia Madeira-Mamoré. a polícia, a Marinha e o Exército aproveitaram a mesma viagem do Satélite para "limpar" a cidade, extirpando todos aqueles que representassem ameaça à ordem e à disciplina: marinheiros, soldados, presos e presas civis. Porém, antes de chegarem ao destino, alguns marinheiros foram fuzilados sob a acusação de estarem tramando uma revolta a bordo do Satélite.
Mapa antigo da Ilha das Cobras |
"A prisão era pequena e as paredes estavam pichadas. A gente sentia um calor de rachar. O ar, abafado. A impressão era de que estávamos sendo cozinhados dentro de um caldeirão. Alguns, corroídos pela sede, bebiam a própria urina. Fazíamos as nossas necessidades num barril que, de tão cheio de detritos, rolou e inundou um canto da prisão. A pretexto de desinfetar o cubículo, jogaram água com bastante cal.
Havia um declive e o líquido, no fundo da masmorra, se evaporou, ficando a cal. A princípio ficamos quietos para não provocar poeira. Pensamos resistir os seis dias de solitária, com pão e água. Mas o calor, ao cair das dez horas, era sufocante. Gritamos. As nossas súplicas foram abafadas pelo rufar dos tambores. Tentamos arrebentar a grade. O esforço foi gigantesco. Nuvens de cal se desprendiam do chão e invadiam os nossos pulmões, sufocando-nos. A escuridão, tremenda. A única luz era um candeeiro a querosene. Os gemidos foram diminuindo, até que caiu o silêncio dentro daquele inferno, onde o Governo Federal, em quem confiamos cegamente, jogou dezoito brasileiros com seus direitos políticos garantidos pela Constituição e por uma lei votada pelo Congresso Nacional. Quando abriram a porta já tinha gente podre. O médico do Batalhão Naval, um homem muito querido, o Dr. Guilherme Ferreira, negou-se a fornecer os atestados de óbito como morte natural. Retiraram os cadáveres e lavaram a prisão com água limpa, e nós dois, os únicos sobreviventes, fomos metidos, novamente, na desgraçada prisão. Lá fiquei até ser internado como louco no hospício.
Um dia o carcereiro abriu a porta e disse que eu iria sair. Colocaram-me dentro de um carro. Fui acompanhando o trajeto. A princípio passei pela avenida Beira-Mar, veio Botafogo e, na Praia Vermelha, o veículo entrou num velho casarão. Era o Hospital dos Alienados, onde fui jogado como doido varrido. Depois da retirada dos cadáveres, comecei a ouvir gemidos dos meus companheiros mortos, quando não via os infelizes, em agonia, gritando desesperadamente, rolando pelo chão de barro úmido e envoltos em verdadeiras nuvens de cal. A cena dantesca jamais saiu dos meus olhos."
MOREL, Edmar. A Revolta da Chibata: subsídios para a história da sublevação na Esquadra pelo marinheiro João Cândido em 1910. 5ª edição comemorativa do centenário da Revolta da Chibata, organizada por Marco Morel. São Paulo: Paz e Terra, 2009.
NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Cidadania, cor e disciplina na Revolta dos Marinheiros de 1910. Rio de Janeiro: Mauad X : FAPERJ, 2008.
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