quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Liberdade e esperança

Manchete do jornal Gazeta de Notícias
João Cândido foi levado para o Hospital dos Alienados em 18 de abril de 1911, por lá ficando por alguns meses fazendo exames psiquiátricos e passando por vários médicos para tentar encontrar algum sinal de loucura dele. Com o tempo, os sinais de estresse pós-traumático que obteve ao ver os seus companheiros morrendo na masmorra da Ilha das Cobras foram passando. Fez amizades com pacientes, teve comportamento normal, e estava em um quarto de frente, bem arejado e com muito sol. Contemplava a enseada de Botafogo e lia alguns jornais. Dois meses depois, recebeu alta hospitalar assinada pelo então diretor do hospital, o Dr. Juliano Moreira

Laudo do Dr. Juliano Moreira
Só que a alta não significou a liberdade. João Cândido foi enviado à prisão da Ilha das Cobras por dois anos. Enquanto esteve lá, teve início o julgamento dos marinheiros que participaram da Revolta e suspeitos de participação da revolta do Batalhão Naval. Eles não tinham advogados, A Irmandade da Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos contratou três dos melhores causídicos para a defesa dos réus: Evaristo de Morais, Jerônimo de Carvalho e Caio Monteiro de Barros. Eles entraram em contato com os marinheiros e os encontraram com a saúde abalada, fracos e alguns até com tuberculose. Os advogados aceitaram a causa, mas recusaram o pagamento da Irmandade.

De acordo com o historiador Álvaro Pereira do Nascimento:
"O processo criminal foi aberto. Aproximadamente cem marinheiros foram indiciados, inclusive os dois sobreviventes da Ilha das Cobras, mas muitos deles já haviam conseguido escapar para outras regiões do país. Mesmo assim, a Marinha enviava "mandados de intimação" aos delegados de polícia das principais capitais do país, para que prendessem os "réus" e os extraditassem para a capital. Os mandados de intimação expedidos aos delegados de polícia não alcançaram o resultado esperado e, assim, somente dez marinheiros foram julgados; entre eles, João Cândido, Francisco Dias Martins e Gregório do Nascimento - os líderes da primeira Revolta. Durante dois anos, o Conselho de Guerra - o tribunal militar da Marinha - registrou no processo o depoimento das testemunhas e dos envolvidos." 

O julgamento demorou 48 horas, até que saiu a sentença. Leia o trecho final:

João Cândido após o julgamento
"Considerando, finalmente, que não existe nos autos nenhuma prova de que os réus tenham praticado qualquer ato que, autorizando a suspeita de participação na referida revolta, revista a figura jurídica do art. 93 do Código Militar, e que as faltas que lhes são imputadas constituem simples infrações disciplinares, cujo conhecimento escapa da competência do Conselho de Guerra, art. 219, do Regimento citado, por unanimidade de votos julga não provada a acusação para o fim de absolver, como absolve, os réus João Cândido, Ernesto Roberto dos Santos, Deusdedit Teles de Andrade, Francisco Dias Martins, Raul de Faria Neto, Alfredo Maia, João Agostinho, Vitorino Nicácio de Oliveira, Antônio de Paula e Gregório do Nascimento, ficando, porém, suspensa a execução desta sentença em virtude da apelação necessária, interposta para o Supremo Tribunal Militar, na forma da lei."

João Cândido aproximou-se de Evaristo de Morais e o abraçou como se fosse um irmão. Cumprimentou os advogados Jerônimo de Carvalho e Caio Monteiro de Barros, enquanto os outros companheiros, bem nervosos, se entregavam a justas manifestações de alegria. Foram todos ao encontro de João Cândido e cumprimentaram-no, respeitosamente.

João Cândido vendendo peixe na Praça XV
Mesmo absolvidos, João Cândido e os outros marinheiros foram excluídos da corporação. Perseguido pelos militares, não conseguiu voltar para a Marinha de Guerra, que tanto amava. Tentou entrar na Marinha Mercante, mas quando descobriam quem ele era, João Cândido era "dispensado". 

Casou-se três vezes, teve 11 filhos. Foi morar em São João de Meriti, município da baixada fluminense. Passou o resto de sua vida sustentando sua família vendendo peixe na Praça XV. Em 1953, soube que o encouraçado Minas Gerais ia ser vendido como sucata. Então embarcou em um pequeno barco de pesca e foi até o navio durante a noite, beijando seu casco para se despedir. Depois continuou sua vida simples, até que em 1969 se sentiu mal e foi levado ao Hospital Getúlio Vargas, onde viria a falecer de câncer, aos 89 anos de idade. Faleceu magoado com a Marinha, mas ainda assim muito grato a ela.

"Entrei na Marinha bisonho, e toda luz que me iluminou e me ilumina, graças a Deus, que é pouca, foi adquirida, posso dizer, na Marinha."



MOREL, Edmar. A Revolta da Chibata: subsídios para a história da sublevação na Esquadra pelo marinheiro João Cândido em 1910. 5ª edição comemorativa do centenário da Revolta da Chibata, organizada por Marco Morel. São Paulo: Paz e Terra, 2009.
NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Cidadania, cor e disciplina na Revolta dos Marinheiros de 1910. Rio de Janeiro: Mauad X : FAPERJ, 2008.

7 comentários:

  1. Olá, Eduardo! Que blog interessante! Eu havia postado um comentário como resposta ao seu no blog de minha escola antes de vir aqui... Muito bom! Vou divulgá-lo no meu blog pessoal e no da escola!
    Um abraço!
    Imaculada Conceição

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  2. Oi Eduardo, gostei muito do seu blog, ele é muito importante como instrumento de pesquisa para nós professores de história, vou usá-lo quando for trabalhar essa temática com meus alunos e numa possível webquest.
    obrigado!
    Elcia.

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    1. mds que pessoa grossa, as pessoas hj em dia n possuem respeito por retratos históricos. vc beija sua mãe com essa boca?

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